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A competição é importante para as crianças?

Pesquisadores debatem a importância da competição entre crianças

 

 

MATT RICHTEL

DO “NEW YORK TIMES”

 

 

 

Logo antes da hora de dormir, meus dois filhos pequenos foram ao banheiro escovar os dentes. No caminho, o de quatro anos disse à sua irmãzinha: “Eu vou ganhar!”. Ele falava da escovação dos dentes.

 

Ele tem espírito competitivo. Quando Milo e eu jogamos beisebol, ele me diz: “Eu vou ser os Yankees e você pode ser um time que eles derrotaram”.

 

É melhor ensinar às crianças difíceis lições de vida, como a de que a emoção de vencer é mais doce se você já conheceu o sofrimento da derrota? Ou é melhor deixar a criança vencer, deixando que a vitória seja parte da diversão?

 

“As evidências sugerem de modo avassalador que a competição é destrutiva, especialmente, mas não exclusivamente, para as crianças”, disse o autor e palestrante Alfie Kohn. “É uma maneira tóxica de criar filhos.”

 

Kohn suscita controvérsia, o que não surpreende. É difícil conciliar suas ideias com a realidade da vida moderna.

 

Mas fiquei surpreso com o grau em que muitos pesquisadores concordam com aspectos da ideia de Kohn de que a competição do tipo vale-tudo, que eu sempre vi como algo que faz parte da vida moderna, pode promover a ansiedade, prejudicar a autoestima e levar ao isolamento emocional.

 

Uma análise a ser publicada no “Psychological Bulletin”, periódico da Associação Americana de Psicologia, estuda centenas de pesquisas sobre a competição e a performance e não encontra um vínculo claro entre as duas coisas. Parece que às vezes a competição fortalece a performance, mas, num número igual de casos, ela não o faz.

 

Como conciliar visões opostas sobre a competição?

 

De acordo com David Shields, professor assistente de psicologia educacional na Faculdade Pública St. Louis, no Missouri, a boa notícia é que existe uma chance real para os pais começarem com uma “lousa em branco”, quando se trata de definir a competição para as crianças.

 

“As crianças têm um entendimento superficial da competição”, explicou Shields. “Elas só sabem que a palavra ‘ganhar’ é usada aí fora.” Em outras palavras, meu filho não está pensando profundamente no que está dizendo quando fala que quer ganhar de mim. Assim, o primeiro conselho que Shields me dá é: “Deixe-o realizar sua fantasia.”

 

Qual é a lição que os pais devem tirar disso? Para Shields, tentar mudar a natureza das brincadeiras que você compartilha com seus filhos para enfatizar a cooperação. Resolvi tentar.

 

Milo e eu estávamos sentados na sala quando apresentei meu plano: “Vamos jogar bola e contar quantas vezes podemos jogá-la um para o outro sem que ela caia no chão”. “Vamos!” disse Milo. Ele fez uma pausa. “Eu vou pegar a bola mais vezes que você.”

 

Mesmo pesquisadores que não são grandes fãs de metáforas de batalha que destacam a natureza soma zero de algumas competições reconhecem que competir é uma parte inevitável da vida.

 

John Tauer é professor de psicologia na Universidade St. Thomas, no Minnesota, onde estuda a competição e treina o time de basquete masculino. “Quando ouço propostas de eliminar a competição, digo que isso não é realista”, comentou. “Não dá para fugir da competição, a não ser que adotemos um sistema em que todo o mundo possa fazer o que quiser, quando quiser.”

 

Numa série de estudos feitos ao longo de cinco anos, Tauer analisou o desempenho de crianças de 9 a 14 anos fazendo arremessos livres de basquete em três situações: quando um jogador compete com outro, quando dois jogadores colaboram para obter a maior contagem conjunta possível e quando dois jogadores se unem para tentar marcar mais pontos que um terceiro.

 

A combinação de cooperação e competição resultou em satisfação maior e, com frequência, mais pontos.

 

“As crianças preferem a combinação de competição e cooperação”, concluiu Tauer.

 

Mas o que dizer quando uma criança está brincando sozinha, com uma irmã ou com algumas outras crianças?

 

Tauer oferece um conselho concreto: ainda mais básica que a necessidade de ganhar é a necessidade de sentir-se bem e ter uma visão de mundo que corresponda à realidade.

 

Assim, se eu deixar Milo ganhar o tempo todo, ele pode inicialmente sentir-se bem, mas em algum momento vai perceber que algo não está certo.

 

Procurei o conselho de um campeão do tênis, Erik van Dillen, que em sua adolescência no final dos anos 1960 era o melhor jogador dos Estados Unidos e hoje é pai de cinco filhos.

 

Dillen me disse que a ênfase sobre a competição não é o principal. Os maiores jogadores, segundo ele, são pessoas que encontram soluções para problemas. Vencer ou perder é simplesmente um reflexo de até que ponto resolveram o problema.

 

David Johnson, professor emérito de psicologia educacional na Universidade de Minnesota, sugeriu uma maneira de mudar a cultura em torno do vencer: ensinar Milo a incentivar outras crianças. Desse modo, disse Johnson, ele vai fomentar um espírito de cooperação. Ao afastar a ênfase do vencer e direcioná-la para dominar uma atividade, o indivíduo e a equipe –a classe, o país, o mundo– vão crescer.

 

“A criatividade, a inovação e a qualidade do produto aumentam quando você alimenta os talentos e o desempenho de outros.”

 

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