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Suicídio: atentem para seus filhos

SUICÍDIO ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOBE NO PAÍS

Vanessa Nakasato
REINVENTE MÍDIA

Os dados não são precisos por causa das subnotificações. Mas Secretarias de Saúde de diversos estados do país têm apontado um aumento médio de 15% a 20% no número de suicídio e autolesão entre crianças e adolescentes, na faixa etária de 12 a 18 anos de idade, desde o início da pandemia. Embora a estatística seja alarmante, especialistas afirmam que o isolamento social só potencializou problemas que já existiam e vinham crescendo nos últimos anos.

Segundo a psiquiatra Carina M. Lutfi, especialista em adolescentes, os fatores que levam um jovem a querer pôr fim à própria vida são os mais variados:

  • Bullying;
  • Depressão e outros transtornos mentais ou abuso de substâncias;
  • Solidão;
  • Desesperança;
  • Falta de amor próprio;
  • Tentativas anteriores de suicídio;
  • Doença física;
  • Histórico familiar de suicídio;
  • Doença mental ou depressão;
  • Conhecimento sobre o comportamento suicida de outra pessoa, como um familiar, um amigo ou até mesmo uma celebridade nos noticiários e nas redes sociais. Comportamento por imitação;
  • Violência doméstica;
  • Abuso ou exploração sexual;
  • Acesso a uma arma em casa;
  • Homossexualidade em um ambiente hostil;
  • Uso abusivo da Internet.

“A ideação suicida é mais comum em crianças do que adolescentes. Porém, a incidência entre crianças é muito menor por estar relacionada à dificuldade de acesso a métodos letais e à maturidade cognitiva. Após os 8 anos, a morte passa a ser um processo concreto e irreversível, mas ainda não existe a preocupação com o que virá após a morte. Então, somente em torno dos 11 anos a preocupação com o que ocorrerá após sua morte, tanto com ela como com as pessoas próximas, começam a surgir”, explica Carina.

Crianças e adolescentes que tentam se suicidar são incapazes de tolerar a raiva que às vezes sentem de determinadas situações, familiares ou amigos e direcionam esse sentimento contra eles mesmos. Em alguns casos, começam a se automutilar ou pensar em se matar com a ideia de punir outras pessoas, como “eles vão se arrepender depois que eu morrer”, ou “vão sentir culpa por eu ter me matado e vão sofrer por terem feito isso comigo”. Esse é um pensamento tem aparecido cada vez mais cedo entre as crianças. Quando a comunicação entre pais e filhos é difícil, raro ou inexistente, as chances de ocorrer uma tragédia são maiores.

Em estudo publicado em 2019, o pesquisador Javier Contreras afirma se deparou com o caso de uma criança de 10 anos que se matou por não ter dinheiro para ir ao cinema. Outra porque não tinha um celular de última geração como seus colegas. Outra não gostava da própria aparência. Outra sofreu bullying na escola.

O suicídio é mais provável em famílias nas quais transtornos do humor são comuns, especialmente caso haja um histórico familiar de suicídio ou outros comportamentos violentos. Mas há outro fator preocupando e muito profissionais da área da saúde: a internet, principalmente, as redes sociais.

A maioria das plataformas e aplicativos de mídia social foram intencionalmente projetados para prender a atenção dos usuários o máximo de tempo possível e influenciá-los. O objetivo dessas ferramentas é, entre outras coisas imperceptíveis, explorar elementos como o preconceito e as vulnerabilidades psicológicas típicas da juventude.

Muitas delas estão intrinsecamente relacionadas ao desejo de autoafirmação e, quase sempre, ao medo de rejeição. Por isso, o uso passivo das mídias sociais, ou seja,  navegar o tempo todo pelas postagens alheias,  gera sentimentos negativos como inveja, rancor, frustração e insatisfação com a vida.

A situação é tão preocupante que a Organização Mundial da Saúde comparou o vício em jogos eletrônicos e internet aos casos de dependência química, já que as consequências mentais e físicas são bem semelhantes aos efeitos que as drogas ilícitas causam no organismo de um jovem.

O pediatra Carlos Amino conta que é cada vez mais comum pais de seus pacientes o procurarem porque o filho de 8 ou 9 anos falam em suicídio sem ao menos saber o significado da palavra. “Há pais que, na correria do dia a dia, não conseguem acompanhar tudo o que os filhos assistem na internet. Então, a criança fica no tablet ou celular vendo vídeos aparentemente inofensivos, quando, muitas vezes, são tiktoks ensinando a criança a se enforcar, cortar os pulsos, pular da sacada… Isso sem contar desafios como o da Momo ou Baleia Azul. Milhares de crianças sofrem influência da internet e, num momento de tristeza ou frustração, acaba provocando uma tragédia”.

Algumas das consequências mais prejudiciais à saúde relacionadas ao excesso do uso de tecnologia para crianças e adolescentes são:

Aumento da solidão: A felicidade momentânea desencadeada por um ‘like’ pode aliviar temporariamente os sentimentos de solidão. Entretanto, esse tipo de “aprovação virtual” nem sempre supre os anseios mais profundos e, com isso, acaba aumentando a solidão e os sentimentos de frustração e angústia.

 

Exposição ao cyberbullying: As inseguranças resultantes das questões emocionais são facilmente percebidas pelos colegas durante a interação nas mídias sociais. Com isso, os mal-intencionados podem, por diversão, disseminar palavras, emojis, imagens violentas ou até mesmo ofensas para humilhar quem está do outro lado da tela. Nos casos mais extremos, esses ataques recorrentes de cyberbullying pode até mesmo levar a vítima do ataque á automutilação ou à decisão pelo suicídio.

 

Queda da autoestima: Os jovens mais habituados à interação virtual tendem a desenvolver maior insegurança em relação à aparência física, principalmente quanto à visão do próprio corpo. Essa questão torna-se ainda mais complexa devido à associação com distúrbios alimentares. A baixa autoestima e os sentimentos negativos contribuem para o surgimento de alguns distúrbios como a bulimia, condição que pode resultar em graves danos ao organismo. A comparação com o outro que mostra nas redes sociais uma realidade completamente fantasiosa de sua vida pode destruir a saúde mental e emocional de outra pessoa.

 

Alguns sinais podem demonstrar que o paciente possa estar planejando o suicídio, como:

  • Ameaças sobre querer machucar-se ou matar-se;
  • Fazer anotações sobre suicídio;
  • Falar sobre não estar por perto no futuro ou que vai embora um dia;
  • Expressar pensamentos estranhos ou frases autodestrutivas;
  • Mudar drasticamente a aparência (negligência ou desleixo aos cuidados pessoais);
  • Doar ou prometer bens valiosos a outras pessoas;
  • Tentar obter armas, pílulas ou outros meios de tirar a própria vida;
  • Aumento do isolamento social e perda de interesse em atividades que antes davam prazer;
  • Desinteresse pela escola;
  • Não fazer planos.

 

Como os pais devem agir?

Segundo Amino, pais, professores e profissionais de saúde jamais devem ignorar os sinais de aviso e as mudanças de comportamento da criança e do adolescente. Os pais devem conversar abertamente com o filho e verbalizar sua preocupação, apoio incondicional e amor. “Os adultos tratam o sentimento da criança como frescura ou drama, sendo que muitas vezes ela está sofrendo profundamente e pedindo socorro”, avisa o pediatra.

As crianças que expressam pensamentos de querer se machucar ou que tentam cometer suicídio precisam de avaliação urgente em um pronto-socorro. “Qualquer tipo de tentativa de suicídio deve ser levado a sério, porque um terço das crianças que levam o suicídio a cabo já havia tentado antes em uma tentativa aparentemente trivial, fazendo alguns arranhões superficiais no pulso ou engolindo algumas pílulas”, ressalta a psiquiatra. “Quando pais ou cuidadores diminuem ou minimizam uma tentativa de suicídio malsucedida, muitas crianças veem essa resposta como um desafio, e o risco de suicídio subsequente aumenta”, completa.

Se o filho não se sentir à vontade para conversar com os pais, é preciso procurar outro adulto de confiança, seja um tio, uma madrinha, um religioso, alguém com quem a criança ou adolescente possa se abrir.

 

  • 80% avisam que vão se matar;
  • O suicida não quer morrer e sim parar de sofrer;
  • O suicídio é visto como uma solução;
  • O adulto deve ajudar a criança ou adolescente a achar outra saída para os problemas dele;
  • É preciso procurar entender por que o filho quer se matar, e nunca minimizar suas falas e sofrimento;
  • Dar esperança e apoio. Mas jamais fazer promessas que não possam ser cumpridas;
  • Deixar claro a disponibilidade em escutar sem julgamentos, insultos e broncas;
  • Avaliar a urgência do caso, verificar se as ideias de suicídio são frequentes e se o jovem apresenta meios para executá-lo;
  • Não deixar a pessoa sozinha até que as providências sejam tomadas;
  • Desmentir o mito de que os adultos não podem ajudá-lo;
  • Envolver a familiares e escola.

 

Para a Carina, o olhar dos adultos deve se voltar para aquele que demonstra alteração de comportamento, mas também para aqueles que vivem ao seu redor. “Em geral, crianças mais velhas e adolescentes confiam somente em seus pares. Esses devem ser veementemente encorajados a não guardar segredos que possam levar seu amigo, irmão ou namorada a se matar. As crianças que exprimem abertamente pensamentos de suicídio, como “quem me dera nunca ter nascido” ou “gostaria de dormir e nunca mais acordar” estão sob risco, da mesma forma que as crianças que dão sinais mais sutis, como retraimento social ou retrocesso escolar”, alerta a psiquiatra.

Os dois médicos afirmam que o ideal é encaminhar as crianças e adolescentes para um psiquiatra, que pode oferecer o tratamento medicamentoso adequado, e para um terapeuta, que pode oferecer tratamento psicoterapêutico como, por exemplo, terapia cognitivo-comportamental. Lembrando que o envolvimento da família e o amor neste processo é fundamental para o sucesso da cura.

 

Dr. Carlos
Dr. Carlos
Médico Pediatra formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Fez Residência Médica em Pediatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro da Sociedade Brasileira e Paulista de Pediatria. Faz parte do Corpo Clínico dos Hospitais Albert Einstein, Sírio Libanês e Santa Catarina.